domingo, 26 de fevereiro de 2012

SER CRIANÇA... OUTRA CIVILIZAÇÃO POSSÍVEL?

Acabou o carnaval e muitos já recolocam suas máscaras. É uma pena! O que mais gosto dessa época, como já disse é ver as pessoas sendo elas mesmas. A alegria, a brincadeira, o lúdico humano abrindo espaços e se fazendo forte entre as pessoas. Não há perversão e opressão no lúdico, apenas cooperação e solidariedade. Não sei se todos sabem, mas desfilei na Escola de Samba Unidos de Vila Isabel nesse carnaval. Foi incrível! Aprendi muito sobre a capacidade que temos de transformar uma idéia, saindo da adversidade e do caos para algo indescritivelmente organizado e bonito. E quantas pessoas incríveis conheci que fazem isso o tempo todo! Ah, quem dera fosse carnaval o ano inteiro e que pudéssemos transgredir as crenças coloniais que trazemos em nós que afirmam somente que não podemos, que não conseguimos, que somos menos que outros, entre outras coisas... A propósito disso, ontem, tive outras lições com minha neta de dois anos. Minha filha e eu a levamos na praia num ambiente que tem vários brinquedos e várias crianças. Ai, como é bom ver crianças brincando... Como a gente aprende com elas... Para os adultos enjaulados na seriedade e no mito civilizatório, brincadeira de criança não ensina nada, chegam a dizer que é perda de tempo. Não conseguem observar, analisar, refletir... A brincadeira como nexo social e como primeira experiência de trabalho. Bem, ao ver minha neta Sara brincando com outras crianças, pude verificar como a educação colonial que recebem em casa deforma. Estavam na brincadeira cinco crianças, minha neta, mais duas menininhas de sua idade, um garotinho da mesma idade e um outro garotinho um pouco mais velho, de cerca de 4 anos, negro. Por que acentuei que o garotinho mais velho era negro? Apenas, porque as outras crianças eram brancas, filhas de pais brancos, moradoras do bairro de Icaraí em Niterói, tradicionalmente um bairro elitista. Bem, as quatro crianças brancas estavam sentadas brincando com baldinhos e pazinhas quando o garoto negro trouxe um anel que havia achado na areia e presentou-o a uma das meninas. O pai da menina até que teve uma atitude interessante e falou com a filha: - Veja querida, o que o amiguinho te deu! Outro pai, entretanto, foi até o menino negro e tentou evitar que ele se aproximasse do grupo, dando a desculpa para sua discriminação de que ele era mais velho e estava correndo muito, jogando areia em todo mundo, bagunceiro e agitado demais. Fiquei analisando o preconceito do pai da menina que se escondia atrás de um conceito de civilidade. As meninas e o menino branco estavam brincando civilizadamente e o menino negro estava ali transgredindo aquela civilidade. Adorei quando ele não se fez de rogado e sentou-se perto das outras crianças que, imediatamente, passaram a dividir com ele os brinquedos. E assim, as crianças permaneceram por algum tempo, brincando, falando, se divertindo, trocando seus brinquedos, e até brigando de vez em quando, sem qualquer "civilidade". Ah, como gostei de ver aquilo! Aquele garotinho negro brincando sem receios com quatro crianças brancas, à vontade como qualquer criança deve se sentir. Depois, eu e minha filha fomos para casa e eu olhei para minha neta no colo dela com muita ternura e agradecimento. Eu, no auge de meus 50 anos, tinha vivenciado através dela e aquelas crianças, a experiência de que, somos nós adultos, que através das limitações de nossas crenças civilizatórias que impomos aos nossos pequenos a discriminação, o preconceito, o desrespeito, a hipocrisia, a violência, o desamor, a guerra. Os adultos querem esconder suas limitações, vêem nelas coisas ruins e não conseguem dialogar sobre isso. As crianças não escondem, não negam o que são! Brigam, discutem e chegam às suas conclusões sem problemas! Se vêem diferentes, divergentes, mas, se não tiverem a interferência de adultos perto delas, vivenciam o entendimento. A sapiência e solidariedade daquelas crianças me comoveram e me fizeram enxergar além dos horizontes. Assim, mais do que nunca venho buscando o lúdico, a alegria, a brincadeira, a sinceridade, a lealdade, a solidariedade, o amor, a ternura como força de ação em minha vida. Quero viver isso e quero gente assim perto de mim! A gente quando é criança tem todos esses valores, adultos, é preciso resgatá-los urgente. Assim, deixo aqui uma mensagem para você. Veja o que os valores civilizatórios colonialistas fizeram com você! Transgrida e revele o que existe aí dentro sufocado por padrões que você recebeu da sociedade repressora! Tente se isolar de vez em quando e reflita sobre as coisas que fez no dia! Verifique cada momento e pense até que ponto você foi você mesmo? Se cada um de nós fizer isso, com sinceridade e paciência, acelereraremos os passos na revolução que queremos fazer no Brasil, tornando esse país muito melhor de viver!!!

sábado, 18 de fevereiro de 2012

SE O CARNAVAL É ÓPIO DO POVO, EU QUERO ME VICIAR...

Acordei hoje com um samba na mente. Levantei da cama cantando o samba cheia de energia. Diria que passei a noite inteira sonhando com a alegria do carnaval. Há pessoas que dizem que o carnaval, assim como futebol, são formas de fazer o povo esquecer as coisas, são uma espécie de droga que tira o foco dos problemas. As pessoas seguiriam brincando o carnaval e se esqueceriam das mazelas de seu cotidiano... Os que dizem isso, ainda não conseguiram entender do que é feita nossa humanidade. Há algum tempo atrás eu mesma via o carnaval com uma certa desconfiança. Movida por preconceitos que não eram meus, tinha a mesma visão de algumas pessoas. A visão colonial e restritiva que nos foi imposta e que abafou a boniteza de nossa singularidade. Somos seres humanos singulares. Temos dentro de nós uma infinidade de sentimentos incríveis esperando a oportunidade de virem a tona, trazendo-nos sensações maravilhosas de alegria, prazer, felicidade e amor, mas... Nos separamos dessas sensações para sermos pessoas sérias, comportadas, corretas, perfeitas, seguindo o padrão civilizatório que nos foi ensinado. E o que isso tem feito por nós? O mito de que o carnaval é uma festa que cega as multidões para as questões sociais faz parte do imaginário de muitos militantes que ainda não descobriram que vestem máscaras o ano todo. É verdade! As máscaras padronizadas por papéis sociais tidos como certos que nós militantes vestimos são a prova cabal de que ao lutar por uma sociedade diferente estamos reafirmando o passado, estamos confirmando o mesmo padrão de sociedade que queremos mudar. Será que me fiz entender? Os padrões civilizatórios fizeram das suas em nossa mente... É um vício constante... A Matrix perfeita. Você já viu esses filmes? Sou o que o sistema me deixa ser... E por mais que isso me tolha, me limite, me silencie, me frustre e me trancafie num personagem que não sou, eu  continuo vivendo o personagem e colocando a máscara todos os dias. E o que isso tem haver com o  carnaval? Ao contrário do que muitos acham é nele que nos permitimos brincar, nos expressar, nos alegrar, sentir as emoções e sensações verdadeiras que vem diretamente de dentro de nossa alma. É no carnaval que somos nós mesmos, com todas as qualidades que nos tornam interessantes e singulares. Somos o que somos nesses dias, sem máscaras nem defesas. Somos, simplesmente... Nos outros dias do ano, a busca da felicidade se torna um tormento sem par. Fazemos de tudo para alcança-la sem que cheguemos um centímetro sequer perto dela. Procuramos nas coisas externas, o que não deixamos extravasar de nosso ser interno. O mais bonito de nossa humanidade é exatamente a diversidade de sentimentos maravilhosos que temos dentro de nós esperando a oportunidade de virem a tona, com todas as suas nuances e sutilezas, deslizando pelo nosso corpo, se mostrando. E isso é o Carnaval! Não foi a toa que a Igreja e todos os sistemas políticos sempre se utilizaram de mecanismos para controlar os corpos, principalmente das mulheres, símbolo das sombras. Aí estava sua base de controle político, seu sistema de opressão. Nisso vemos a diferença nas tradições religiosas africanas... Os corpos se mexendo, dançando, pulando, são experiências divinas... Sexo, é divino! É o que nos aproxima dos deuses e orixás! É por isso que não posso concordar com companheiros que afirmam que o carnaval é o ópio do povo... Se enganam! Cada vez mais me convenço! A maior luta que temos que fazer é a luta para nos afastar da mesmice, a batalha de nos permitirmos ser nós mesmos, sem sujeições, sem máscaras, hipocrisias e ilusões. O Carnaval é do povo! E através dele o povo se instrumentaliza para a luta maior de todos os dias, a luta de deixar fluir seu jeito de ser diferente, alegre, generoso, criativo, potente e livre. Viva o Carnaval com sua forma sutil de provocar revoluções! E vamos brincar... que o dia está lindo!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A ESCOLA DA VIDA...

Hoje estava com minha alma nostálgica. Lembrei do tempo em que tinha 6 anos de idade, sentada numa pequena mesa lendo clássicos da literatura. Lembro-me de que tinha uma parte do armário de meu quarto cheia de livros e gibis. Minha mãe incentivava minha curiosidade pela leitura, me contava histórias e me dava livros para ler. Foi ela que me ensinou a ler e quando cheguei na escola, já conhecia o mundo das letras. Para ela a educação escolar era muito importante. Saber ler, escrever e contar... Ir fundo na leitura dos clássicos da literatura. Minha mãe se importava com o que eu iria aprender. Me questionava os deveres de casa, se orgulhava das redações que eu fazia ao mesmo tempo que tinha medo do que eu escrevia. Era engraçado ver o brilho que ela tinha no olhar quando eu lia alguns de meus textos e a ansiedade que ficou quando publiquei meu primeiro conto num livro de contos de Barra Mansa, cidade onde nasci. É muito triste vê-la hoje deitada numa cama, apática, sem luz e sem cor... Mas é a vida! Foi assim que comecei a pensar nessa postagem! A vida educa! Quando saí de casa aos 15 anos, e vim morar no Rio de Janeiro minha mãe me disse que a vida ia me bater muito, porque eu era muito rebelde. Fiquei anos pensando no que ela quis me dizer naquele dia! A cada fase de minha história de vida pensava se ela tinha ou não razão... O que seria apanhar da vida? Hoje, quando vejo a minha trajetória consigo perceber do que minha mãe tinha medo. Ela, viveu num mundo onde não teve as oportunidades que tive... Além disso, apesar de muito inteligente e preocupada em me dar uma "boa" educação, ela não teve coragem em assumir muitas das suas verdades e desejos e viveu uma vida com poucas possibilidades. Assim, a minha rebeldia me livrou de muitas coisas e me deu outras... Graças a essa rebeldia, pude ser educada pela vida! Sim, a vida educa, mostra milhares de coisas, nos faz refletir e renova nossas visões de mundo. Não tenho como contar quantas fases já tive. O que pensava e o que penso! O que sonhava e o que sonho! O contato com pessoas e grupos diversos me fez compreender coisas que nenhum livro poderia me dar. Hoje, quando olho os meninos e meninas que tem o sonho de ser bailarinos no Projeto Raízes da Vila que tento promover, me emociono com mais uma oportunidade que a vida me deu de aprender a superar a realidade através do sonho, do sonho deles junto com o meu! Quando vejo disposição nos olhos de operárias e operários para lutar pelos seus direitos, comovo-me e retiro de dentro de mim a energia necessária para lutar com eles. Será que isso eu conseguiria aprender nos livros? Existiria algum manual para lidar com a vida, a não ser a própria vida a mostrar os caminhos? Quantas escolas temos que nos ensinem a compartilhar, a nos emocionar, a nos unir, a sermos amigos? Existe escola para ensinar homens e mulheres a se relacionarem? Existem escolas que ensinam fraternidade? Paulo Freire foi um dos educadores que entendeu que educação e vida se entrelaçam! Uma das suas frases célebres: Ninguém educa ninguém! Os homens aprendem em comunhão! Temos que aprender a ler a vida! Esses dias, tive um exemplo disso. Estava numa assembléia de trabalhadores para falar sobre os problemas relacionados a questão da Convenção Coletiva de Trabalho deles. Ao subir no carro de som, tive alguma dificuldade porque estava tomando um remédio muito forte para uma crise de alergia, que estava me deixando tonta e com dores, mas, não deixei que isso me impedisse de subir no carro e falar com eles. Foi a melhor assembléia que fiz. Alguns deles se emocionaram e chegaram a dizer que estavam felizes porque a presidenta tinha se emocionado ao falar com eles. Na verdade a dor que estava sentindo deixou minha voz mais embargada e deu um tom de emoção que não havia passado nas outras assembléias que tinha feito. O que aprendi com isso? As pessoas reconhecem o respeito, a consideração e o amor com que fazemos as coisas. Somos mais próximos quando somos capazes de sentir o que os outros sentem. Num mundo onde muitos são tratados como coisas, ter humanidade, ser leal e sincera faz diferença! Tomara que eu possa fazer mais diferença e tomara consiga aprender cada vez mais na escola da vida... Nessa escola sempre passamos de ano se aprendermos a ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.