domingo, 28 de julho de 2013

CONTEXTOS E FRAGILIDADES NAS RELAÇÕES HUMANAS NA PÓS-MODERNIDADE

Estou lendo Zygmunt Bauman e através dele me inspirei a escrever sobre a tênue e frágil forma de nos relacionarmos na pós-modernidade sob o abrigo das intervenções subliminares e subjetivas do sistema capitalista em nossas mentes e corações. De fato, se observarmos nossas relações nos dias de hoje veremos que elas se transformaram. Seria ótimo se essa transformação estivesse nos fazendo mais felizes e realizados, mas, o que se vê não é isso. O cenário é outro. Costumo dizer que a busca da individualidade não está separada do aprendizado da cidadania, do cuidado com os outros e a vivência com o coletivo. Essa separação é que faz com que muitos não consigam suportar a diversidade e tenham intolerância, preconceitos e dificuldade em aprender uns com os outros. Também acredito que é na relação uns com os outros que temos a oportunidade de aprender sobre nós mesmos. O que nos fere, o que nos torna melhores, o que nos estimula, tudo isso é perfeitamente visível para nós quando nos colocamos de frente para o outro. Mas, os estímulos e efeitos do sistema capitalista em nossa psique tem tirado isso de nós cada vez mais. Mais e mais pessoas tem se visto unicamente pelas redes sociais. O olho no olho, o cheiro, o toque, as conversas, abraços, cumprimentos, beijos, estão em desuso. O estilo shopping center de ser afetou as relações. Afinal, é muito mais fácil bloquear ou deletar alguém de uma rede social do que encarar os problemas e possíveis conflitos oriundos das diferenças entre as pessoas em uma relação. Ninguém mais quer se dar ao trabalho de construir relações duradouras, que mexam com seus sentimentos e estabeleçam vínculos e intimidade. Vivenciar os momentos, ter experiências aprofundadas, conversas mais íntimas faz parte de um tempo antigo que não tem referência com a pós-modernidade. Estamos num tempo de relações rápidas, casuais e sem compromisso. Relações são negócios, são formas de consumo, hierarquia de posições. Não é a toa que o termo negociação se aplica até ao casamento. Aliás, isso não mudou muito em relação ao passado. O que a liberdade sexual proporcionou às pessoas abriu novas oportunidades não para que houvesse maior intimidade e carinho entre casais ou pessoas amigas, mas, que as relações se transformassem de vez em relações de consumo. É o que é visto nos sites de relacionamento que oferecem “produtos”, homens e mulheres que procuram sua “alma gêmea”, “maridos ou esposas”, “relações sexuais sem vínculos” e até algum tipo de "amizade". A mesma expectativa que você tem em relação a um produto que quer consumir, você vai ter em relação a um amigo ou a uma pessoa que quer namorar, por exemplo. Quando a “qualidade” te decepcionar é mais fácil buscar “quantidade”. E a qualidade quando é procurada nunca é a experiência e o conhecimento que podem ser cultivados pouco a pouco no sentido de estabelecer formas de respeito, sinceridade, amizade e amor entre si. No caso da mulher, por exemplo, a qualidade é vista pelo tamanho da bunda ou dos seios, se é gorda ou magra, se fala muito ou pouco, se é elegante ou mal vestida, se sabe ou não economizar, se não é chata, se sabe fazer um bom sexo ou cozinhar bem, enfim... Já no homem, as expectativas de consumo se dão pelo carro que tem, pelo dinheiro que ganha, pela performance sexual que poderá ter com a parceira, se tem potencial para sustentar uma família, e vai por aí a fora... Os amigos serão amigos se satisfizerem os interesses que podem ser múltiplos, caso contrário poderão ser descartados. O mais engraçado de tudo isso é que todos de uma forma ou de outra buscam a felicidade em suas relações. Querem se relacionar bem, querem amar e ser amados, não conseguem perceber que vêem suas relações como um produto que querem comprar e que em algum momento podem jogar fora ou rejeitar por terem imperfeições. No fundo de seu eu não querem isso. Querem vivenciar com intensidade os momentos, viver as relações com profundidade, sentir amor e ternura, querem aprender com as experiências, mas, estão tão alienados na sofreguidão do modo consumista de ser que deixam o medo e a insegurança entrar em seus corações. Tem medo de vivenciar porque não querem sofrer, mas, sofrem muito mais por que não vivenciam e assim não conseguem aprender a se relacionar. É um círculo vicioso angustiante que acaba preservando e alimentando os preconceitos, a exploração, a intolerância, os ódios, as dificuldades das pessoas em aprender umas com as outras. É também responsável por uma sofrida solidão que acompanha muita gente. O capitalismo nos formou seres com fortes desejos de ter vínculos duradouros ao mesmo tempo que nos estimula a tornar esses laços frouxos, sem responsabilidade uns com os outros. Em nome de uma pretensa liberdade que nos é afirmada, mas, que não conseguimos atingir, porque não existe. Ah, sistema de vida triste e superficial. Até quando vamos alimentá-lo? Quando vamos nos libertar de seus grilhões e respirar o amor, a liberdade e o compromisso uns com os outros? Que esse texto sirva ao menos para despertar algumas reflexões sobre o assunto.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

QUERO UMA ANTROPOFAGIA À BRASILEIRA

O que vem a ser antropofagia? Segundo o Wikipédia, antropofagia é o ato de consumir uma parte, ou várias partes da totalidade de um ser humano. É isso mesmo que vocês estão pensando... Canibalismo! Como? Somos canibais? Que história é essa? Explico. Sem essa de pensar em comilança de carne humana. A antropofagia aqui está sendo usada como um conceito cultural, educacional e psicológico também. O capitalismo mundial está passando por sua pior crise. A Europa e EUA estão sofrendo com desemprego em massa, fome, pobreza, doenças e guerras. Toda essa miséria que vem solapando as populações desses países tem sido geradas pelas condições econômicas criadas por corporações capitalistas que capturam os governos para seus fins. O sistema capitalista é assim, totalmente predatório, antropofágico. Há alguns ingênuos que o defendem, naturalizando-o, dizendo que faz parte da vida ser assim. Que os fortes e mais inteligentes superam os fracos e menos dotados. Eu até poderia concordar se não soubesse pela vivência que tive ao longo dos meus 51 anos que todos são iguais quando nascem e ninguém é mais aquinhoado do que outro a não ser pelas oportunidades que tem na vida. Mas, o sistema capitalista não concede oportunidades a ninguém a não ser a ele mesmo. Dinheiro tem que gerar mais dinheiro e que se danem as pessoas. Aliás, faz muito tempo o capitalismo se apossou do cotidiano das pessoas e diz a elas como devem pensar, como devem comer, como devem morar e como devem sentir. A pretensa liberdade que as pessoas acham que tem é totalmente ilusória. O comando é dos capitalistas. Tem sido assim há muito tempo... Analisando o caso brasileiro temos problemas ainda maiores. Tudo no Brasil aconteceu de forma predatória. Nossa colonização se deu com o intuito de exploração de nossas riquezas e nossa força de trabalho. Foi assim que nos formamos. Fomos o último país a abolir a escravidão por lei. Nossas indústrias, nosso comércio e nossa economia sempre esteve a serviço da Europa e dos EUA. Dependentes e oprimidos. E assim aconteceu o processo civilizatório capitalista brasileiro, através de muita espoliação, degradação, violência e opressão. Como pensar democracia numa condição dessas? Como pensar a diversidade em mentes programadas para repelir e hierarquizar as etnias, o gênero, e as opções de vida? Por que tantos se assustam ao ver o fundamentalismo religioso grassando na nossa sociedade? Por que a indignação com a estrutura carcomida de muitas de nossas instituições? Por que a aflição de ver a nossa frágil democracia ser desmerecida e enxovalhada de todos os lados? Afinal que hipocrisia é essa que cobra dos outros e não vê a sua própria contradição? Quem é que corrompe e quem é corrompido? Todos nós estamos vivendo do que nos transformamos. Ainda não acordamos e não somos gigantes! Somos um povo jovem em ascensão tentando provar nossa capacidade de transformação. Tal qual adolescentes, temos necessidade de autoafirmação e assim, negamos o passado sem perceber que julgamos o presente a partir de parâmetros do próprio passado que está entranhado em nós. Se não prestarmos atenção isso poderá nos atrasar mais uma vez na construção de um futuro melhor. Crescer e amadurecer faz bem para a saúde! Precisamos disso! Reflexão é bem melhor que água benta e genuflexão! Conhecer nossa história e nossa cultura é mais saudável que reverberar o discurso da mídia e de tantos outros que sempre estiveram ao lado dos poderosos. Entender as instituições e suas mazelas é bem mais importante para poder muda-las. Os últimos dez anos nos deram essa oportunidade, mudando as prioridades do país e as condições de vida dos brasileiros. Vamos agir feito tolos imaturos e inconsequentes e botar tudo a perder? Que Oswald de Andrade nos ilumine e que possamos edificar uma nova antropofagia, inteiramente nossa, que nos guie e nos faça cortar os liames que ainda nos seguram na colonialidade e impedem a construção de um novo Brasil. Precisamos desesperadamente disso! Sob pena de nos perdermos de novo no caminho. Viva a democracia!

sábado, 13 de julho de 2013

AS RUAS, OS TRABALHADORES E AS FORÇAS OCULTAS

Há 500 anos temos o conservadorismo no poder. Somente em 1988 pudemos homologar uma Constituição Cidadã e há apenas dez anos mudamos a trajetória de nosso país do ponto de vista econômico e político, mas, ainda temos muito que aprender sobre nós mesmos, nossa história, nossas forças políticas, nossas lutas e como podemos seguir em frente de forma diferente, transformando a sociedade que vivemos numa sociedade melhor, mais digna, mais justa e igualitária. Luto por isso há muito tempo. Vi muitas crianças e adolescentes da periferia morrendo pelas mãos da polícia e de traficantes de drogas. Já vi muitos moradores das periferias terem suas casas invadidas por ambos os lados dessa guerra que não é de hoje mancha nosso país com sangue e lágrimas. Depois de atuar por 17 anos numa comunidade de periferia numa cidade esquecida pelo poder público como é São Gonçalo no RJ, transferi minhas energias para as lutas sindicais. Desde 2000 e lá vão 13 anos busco dar o melhor de mim junto com alguns companheiros para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras que represento. Aprendi que as dificuldades são feitas para exercitar nossa capacidade de resolver problemas e assim vamos todos indo, lutando e buscando o melhor... Ao longo desses anos participei de várias marchas, passeatas e atos nas ruas do Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília e nunca vi acontecer o que aconteceu conosco nesse 11 de julho de 2013. Mês passado tive que fugir com alguns companheiros de um bando de covardes bombados que queriam impedir que participássemos com nossas blusas vermelhas e nossas bandeiras e faixas de uma passeata onde pensávamos era por direitos, democracia e liberdade. Vimos a duras penas que não era. As pessoas que quebraram nossas bandeiras e queriam nos agredir eram muitas e violentas. Não conseguimos entender sua agressividade a não ser como algo que foi organizado, mandado, dirigido para nós, nossas lutas e nosso desejo de transformação. Em 1964 era assim também, a discriminação contra os comunistas, "aqueles que comiam criancinhas" como muitos diziam. Me senti discriminada, alijada do meu direito de protestar e de fazer valer as lutas que há muito tempo lutamos de fato. Nesse último dia 11/07 foi pior. Estávamos felizes em participar de uma grande marcha dos trabalhadores e trabalhadoras convocada pelas Centrais Sindicais. Muitos dos trabalhadores de nossa categoria estavam presentes. Estive com alguns ao longo da passeata. Empunhávamos nossas faixas e bandeiras, conscientes de nosso papel e dos objetivos que nos uniam. Aquela era nossa passeata, pelos nossos direitos, pelas nossas lutas, pela nossa pauta! Foi quando fomos agredidos de duas formas. A primeira ao sermos cercados por pessoas vestidas de preto de máscaras que com coquetéis molotov e gestos obscenos nos agrediram e depois quando a polícia, sem se importar quem estava ali também, jogou bombas de efeito moral, gás lacrimogênio e passou a atirar desmedidamente para cima, dispersando nossa passeata e assustando todos nós. Havia muita gente comigo. Não só homens como mulheres, jovens e idosos. Preocupada e sozinha no meio da confusão só conseguia pensar em como estavam cada um dos companheiros que participavam comigo daquela passeata. Nem sei como consegui sair dali para ir para outro lugar onde me disseram estaria mais calmo, mas, que no final, se transformou numa praça de guerra. Meus olhos vermelhos aos poucos foram melhorando, meu nariz e meus ouvidos também, mas, minha tristeza de ver que tínhamos sido atacados tanto pelos "ditos manifestantes" como pela polícia me deixou sem forças momentaneamente, e, parada onde estava, fui "salva" por três companheiros e ficamos todos reclusos no 18º andar do prédio onde nos abrigaram. Algumas horas depois me colocaram num ônibus e consegui vir para casa. A essa altura já tinha conseguido falar com todos que me preocupavam e mais tranquila passei a refletir. Quem são essas pessoas de preto que agem com a mesma violência que a polícia que dizem combater? Quem são essas pessoas com máscaras que não querem ser reconhecidas e tem medo de mostrar a cara? Que ódio é esse que não tem medida e trata trabalhadores e movimentos sociais da mesma forma que a polícia colonialista de sempre? Que forças políticas são essas? Forças políticas sim, reacionárias e violentas como seus atos grotescos demonstraram. Nós trabalhadores sempre lutamos contra muitas forças "ocultas" que tentam nos subjugar. Mais uma vez estão tentando... Que venham! Não vamos fugir da luta jamais!